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Viagem Minas – Dia 02

Alienada Cervejaria, em Uberlândia

Escrevendo já em Uberlândia. Desembarcamos por aqui pouco antes do meio-dia. O Aeroporto da cidade é bem acanhado e tem dimensões que lembram o Augusto Severo antes da última reforma. Mas a primeira impressão da cidade foi oposta a essa. Mesmo já sabendo de antemão que a população daqui beira os 700.000 habitantes, o caminho até o apartamento de Gabriela e Raoni, onde ficaremos pelos próximos dias, revelou uma cidade maior e com uma estrutura urbana mais desenvolvida do que eu vinha projetando mentalmente.

Após deixar a bagagem, rumamos para o Centro da cidade, mas exatamente para o Sahtten, restaurante árabe tradicional da cidade, que serve por peso e cujos preparos me fizeram lembrar da Rotisseria Sírio-Libanesa, o popular Árabe do Largo, no Rio de Janeiro.

Agora à noite fomos conhecer a Alienada, uma cervejaria charmosa que também serve uns burguers bem bons. A temperatura ficou em torno dos 15º, mas nós, natalenses destemidos, optamos por ficar nas mesas da área externa.

Perto de casa e um pouco longe de mim

No último fim de semana participei de uma programação que há muito queria ter feito: um passeio de um dia com amigos, até Ceará-Mirim. Na realidade eu já havia feito algo semelhante em 2019, com Márcia e Nina. Naquela ocasião, a intenção era proporcionar à pequena a experiência do deslocamento de trem, além de conhecer o Centro Histórico daquela cidade.

Centro de Ceará-Mirim, 30 de janeiro de 2019. [Foto minha]

Àquela época, tanto o transporte ferroviário quanto ter conhecido lugares como o Mercado Público foram experiências marcantes que deixaram uma vontade de voltar com amigos e explorar outros lugares que não conheci nessa primeira oportunidade, sobretudo os antigos engenhos de açúcar.

Finalmente, no último sábado, mais tranquilos com a redução de casos de covid-19, eu, Márcia, Nina e alguns amigos seguimos rumo à cidade vizinha.

Contratamos Francisco, o barão, guia com o qual eu já tinha contato na minha atividade de professor, e às 9h10 embarcamos na Estação da Ribeira, no trem rumo a Ceará-Mirim. O clima nublado e chuva forte que se anunciaram nas primeiras horas do dia não passaram de ameaça e no fim contribuíram para fazer dos deslocamentos mais aprazíveis.

Uma das coisas que mais tinha me agradado em minha primeira ida ao destino foi a observação de Natal sob pontos de vista que eu ainda não tinha experimentado, daquela vez proporcionados pelo deslocamento de trem. Uma pena que dessa vez as janelas dos vagões estivessem cobertas por uma propaganda do Governo Federal, o que impossibilitou a contemplação da paisagem durante o deslocamento.

Após a chegada no nosso destino, percorremos algumas ruas do Centro, com foco nos antigos casarões e na igreja católica. Mas foi a segunda parte do roteiro – a exploração dos antigos engenhos – o momento mais gratificante do dia. Mesmo que alguns em ruínas, eu desconhecia que tão próximo a Natal havia tantos resquícios arquitetônicos do passado imperial brasileiro. Francisco, o guia, tinha um domínio considerável sobre as relações pessoais e familiares locais, o que ajudava a dar um contexto ao atual estado dos prédios que visitamos.

Um dos momentos mais bacanas do passeio foi a visita ao antigo Museu Nilo Pereira, equipamento que se encontra desativado desde 2006 e que, ainda estando bastante maltratado, se impõe  pela imponência como exemplo de arquitetura imperial. Recentemente foi anunciado que a Fundação José Augusto elaboraria um plano para recuperação do prédio, o que obviamente dependeria da reeleição de Fátima para o governo estadual. De toda forma, também pela localização entre o centro de Ceará-Mirim e os antigos engenhos, ter esse museu ativo e funcional seria fundamental para reforçar o roteiro daquelo destino, tanto como opção de atividade educacional, como atividade turística.

Museu Nilo Pereira, 26 de março de 2022. [Foto minha]

Mas o principal aspecto que ficou dessa experiência foi constatar mais uma vez que não é necessário uma viagem longa para fora de Natal ou do país, para desfrutar do estado de espírito que normalmente me encontro ao passar algum tempo longe de casa, convivendo em situações que de alguma forma diferem do meu cotidiano, como estar submetido a idiomas, comidas e climas diferentes. No geral, essas pequenas imersões em outras realidades me poem num estado de curiosidade que normalmente resultam em estímulo para o trabalho artístico/criativo.

Foi o que aconteceu quando estive em Buenos Aires pela última vez, em 2019. A estada de quase duas semanas na capital argentina me encheu de pequenas ideias para letras de música que, mesmo ainda não terem se transformado em canção, pelo menos viraram material de referência para futuras composições, hoje habitando no aplicativo de notas que uso como catálogo para esses lampejos de palavras e esboços de melodia (pretendo escrever em breve sobre como estruturo esse sistema).

De alguma forma experimentei um sentimento semelhante nesse passeio de um dia pela cidade vizinha à minha. Nesse contexto de Real ainda bem desvalorizado e de achatamento salarial dos docentes da Rede Municipal de Ensino de Natal, promovido pelo pesadelo de prefeito que Natal tem, e na impossibilidade de deslocamentos mais frequentes para lugares mais distantes, essas pequenas fugas para lugares próximos ou simplesmente para fora da rotina, podem cumprir bem o papel de distração positiva para a cuca.   

 

Quando um flanneur brasileiro encontra um dos carrascos da Copa de 50

Calou o Maracanã em 50 [foto minha]

Em janeiro de 2011, eu e Márcia fomos a Buenos Aires acompanhados de Gabriela e Louise. Naquela ocasião, eu não me preocupei nem um pouco com a programação da viagem, confiando às garotas a tarefa de elaborar o roteiro. Marinheiro de primeira viagem em viagens para o exterior, acatei aquilo sem problemas e gostei bastante das escolhas que elas fizeram.

Acontece que voltei daquela viagem decidido a ser mais proativo no planejamento das minhas próximas investidas fora de Natal. Em quase todos os destinos para os quais fui a partir de então, me envolvi bastante na pesquisa sobre os lugares, chegando mesmo a gostar daquela tarefa.

Um misto de preguiça e desprendimento me fez despreocupar com o planejamento do que faria em Montevidéu. Cheguei a pesquisar em várias fontes, de blogs a vídeos, mas acabei sem sistematizar as informações que colhi em algo como um roteiro. O resultado é que cheguei com uma impressão geral sobre o que fazer na capital uruguaia, mas não tenho a menor ideia do que faremos em cada dia.

Em nosso primeiro dia completo em Montevidéu, iniciamos o dia – já perto do início da tarde – com uma exploração do Centro. Tomamos um ônibus, cujo motorista nos avisou quando descer para que estivéssemos próximos à Cidade Velha.

O ponto de partida que escolhemos foi a Praça Independência, um dos cartões postais da cidade (não que isso me valha alguma coisa). De cara, chamou-me a atenção a sobriedade do prédio em que está sediada a presidência do país. Funcional e de uma beleza discreta. Provavelmente, estou chegando ao Uruguai com visão exageradamente positiva, dada a desesperança que gira em torno da situação político-econômica do Brasil. Mas é impressionante constatar como um país de formação histórica semelhante à brasileira, funciona minimamente.

Imediações da Praça Independência. 29 de junho de 3017 [foto minha]

Andamos meio aleatoriamente pelo Centro, no intuito de chegar ao Mercado do Porto, onde almoçaríamos. Entramos pelo portal da Cidade Velha e seguimos por uma espécie de passeio público margeado por lojas instaladas em prédios antigos.

A primeira parada mais demorada foi na Praça da Constituição, na qual se destacou uma espécie de igreja matriz. Não foi difícil constatar a influência espanhola no estilo arquitetônico daquele edifício católico. Construção horizontalizada e sobriedade na forma que remetem diretamente às paisagens coloniais do norte do México.

Na sequência, seguimos o caminho e chegamos ao mercado do porto. Eu esperava um lugar mais caótico e inóspito, mas encontrei outra realidade. O calor das churrasqueira dos restaurantes funcionam como aquecedor para o inverno da cidade. Realmente, é de se imaginar que durante o verão a sensação não seja das melhores. Como o objetivo daquele almoço era ir a um bom lugar de carnes, escolhemos a primeira churrascaria que parecesse agradável e me surpreendi com a qualidade da comida.

Saindo do mercado, optamos por seguir em direção à 5 de julho, onde se localiza boa parte do comércio de rua da cidade. Fiquei impressionado com a quantidade e variedade de lojas, mas logo relacionei essa característica à timidez do Punta Carretas Shopping. Aproveitei o deslocamento e parei na Antel, a estatal de telecomunicações do país. Ainda na Cidade Velha eu havia comprado um chip pré-pago da operadora e não consegui fazê-lo funcionar. No fim das contas, entendi como funcionava o processo, mas por alguma razão os meus créditos acabaram bem antes do que eu imaginava.

Eu, Márcia, Nina e Gabi optamos por voltar caminhando para o nosso Airbnb e foi uma ótima experiência, já que cruzamos a fronteira entre o Centro e uma área mais residencial da cidade.

Chegamos por acaso a um ponto turístico da cidade: uma daquelas grades onde turistas abobalhados prendem cadeados. Na mesma esquina havia uma estátua de um dos carrascos brasileiros na Copa de 1950: Giggia. Também estávamos em frente a uma sorveteria na qual decidimos entrar. Sorvete ok. Mas o melhor dessa pausa foi poder observar, sem ser visto, um mexicano assistindo a semi-final da Copa das Confederações entre o seu país e a Alemanha. Sou bastante curioso para ver como pessoas de outros países lidam com as questões que me interessam. Futebol certamente é uma delas.

Após isso, caminhamos cerca de 1h30 até chegarmos a nossa hospedagem. Excetuando-se uma ladeira ou outra, flanar pela capital uruguaia é, sem duvida, uma experiência que pretendo repetir outras vezes.

Livros lidos em 2016

A partir desse ano quero começar uma tradição por aqui: fazer uma relação de livros lidos ao longo do ano, com alguns comentários sobre os títulos que mais me chamaram a atenção. Em 2016, a coisa foi mais ou menos assim:

Diários de bicicleta
David Byrne

Escrevi especificamente sobre esse livro, aqui. Diários de Bicicleta foi uma das leituras mais prazerosas que fiz em muito tempo. David Byrne tem uma escrita cativante e a premissa de abordar tópicos como mobilidade e planejamento urbanos, cicloativismo, relacionados à atividade de músico do autor, me interessaram demais.

100 discos do rock poriguar para escutar sem precisar morrer
Alexandre Alves

Tem sido empolgante ver as publicações de livros sobre a produção musical potiguar se tornarem cada vez mais frequentes, seja vindos da academia, como Nos Tempos do Blackout, ou mais despretenciosas, como o título celabrativo DoSol 10 anos. O 100 discos do rock potiguar traz textos de Alexandre Alves, Alexis Peixoto, Hugo Morais, Olga Costa, Jesuino André Oliveira e Mr. Moo, sobre discos considerados fundamentais para a história do rock do Rio Grande do Norte. Festival do Desconcerto, disco do SeuZé, lançado em 2005, está no livro.

A arte de fazer um jornal diário
Ricardo Noblat

No meio da minha graduação em História pensei algumas vezes em mudar de curso. Jornalismo foi uma das áreas que cogitei algumas vezes para uma migração. Cheguei inclusive a cursar algumas disciplinas em Comunicação Social e a curiosidade e interesse sobre a área nunca se dissiparam de vez. Gostei da abordagem de Noblat, focada nos bastidores da profissão, passando por diferentes estágios da carreira do autor.

Como o futebol explica o mundo: um olhar inesperado sobre a globalização
Franklin Foer

Livro precioso que aborda a relação entre futebol e sociedade, em diferentes contextos. Da ligação entre o ludopedio e identidade nacional na antiga Iugoslávia, passando pela relações de gênero no Irã em torno do futebol, uma leitura essencial para quem se interessa minimamente pelo esporte bretão além das quatro linhas, ou mesmo como referência para discussões sobre globalização.

Do que eu falo quando eu falo de corrida
Haruki Murakami

Meu debute na obra do romancista Haruki Murakami foi através de uma não-ficção, Do que eu falo quando eu falo de corrida é um ensaio em que autor japonês reflete sobre como se tornou um corredor dedicado e como a disciplina e método necessários para a participação numa maratona, são semelhantes às demandas para a atividade de escritor de romances. Fiquei obcecado pelo estilo de escrita de Murakami e agora estou avançando na leitura de 1Q84.

Correr: o exercício, a cidade e o desafio da maratona
Drauzio Varella

Na tentativa vã de buscar inspiração para me tornar um corredor mais ativo, cheguei a esse livro inesperado de Drauzio Varella. Assim como Murakami, Drauzio tornou-se um corredor frequente já na vida adulta e maratonista, após os 50 anos. Ainda não completei os meus primeiros 5km, mas recomendo fortemente esse livro daquele que alguns chama de Dr. Áuzio.

Dias de inferno na Síria
Klester Cavalcanti

Relato extasiante do jornalista que foi enviado à Síria como correspondente de guerra e acabou preso no país.

Conecte-se ao que importa: um manual para a vida digital saudável
Pedro Burgos

O título menciona vida digital, mas o livro de Pedro Burgos traz reflexões essenciais para a vida real, ao discutir o impacto das redes sociais e dispositivos móveis nos indivíduos e nas sociedades.

Jogador nº 1
Ernest Cline

Quando comecei a me dedicar à filmografia de Woody Allen, há 10 ou 12 anos, me questionei sobre as razões de eu me identificar com a maioria daqueles filmes. À época eu concluí que a explicação estava nas referências aleatórias – com Kant, psicanálise, antissemitismo, Marx, Freud, síndrome de impostor, que o diretor jogava nos diálogos, e que funcionavam como iscas para aquele estudante de História de então.

De certa maneira, o Jogador nº 1 teve um efeito semelhante em mim. À despeito da premissa de ficção baseada em realidade virtual e videogames, o livro é um apanhado de referências a nerdices e cultura pop dos anos 1980 e 1990 para fisgar marmanjos com mais de 30 anos, saudosos da sociabilidade nas locadoras de videogame e afins. Pois o marmanjo aqui mordeu a isca mais uma vez.

Master System: a história completa do grande console da Sega
Editora Europa

Em junho desse ano voltei a jogar videogame assiduamente após comprar um Xbox One e fiquei bem obsessivo em relação à temática, consumindo livros, podcasts e filmes sobre a mídia. Esse livro traz textos técnicos sobre o desenvolvimento do Master System e de alguns dos principais jogos, mas colocando sempre em perspectiva com o mercado, à época dominado pela Nintendo.

Super Nintendo: a história completa no melhor videogame da Nintendo
Editora Europa

O livro traz informações técnicas sobre o Super Nintendo e alguns dos jogos mais reconhecidos.

Meia-noite e vinte
Daniel Galera

Roberto Carlos em detalhes
Paulo Cesar de Araújo

Som do vinil: Clube da Esquina
Entrevista a Charles Gavin

Um brasileiro em Berlim
João Ubaldo Ribeiro

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Pretendo fazer esses compilados anualmente e reunir todos aqui.

Impressões sobre como os chilenos lidam com o passado autoritário

Estátua de Salvador Allende, no centro de Santiago [foto minha]

Ainda em êxtase com a visita que fiz ontem ao Museu da Memória e dos Direitos Humanos, aqui em Santiago. O museu é focado na ditadura militar chilena, mas também denuncia situações de violação de direitos humanos em outras partes do mundo, incluindo o Brasil. O museu é imponente e extraordinário, e a mostra permanente sobre o regime militar no Chile é forte. Mas uma das coisas que mais me chamou a atenção foi a velocidade com que aconteceram as comissões da verdade tanto no Chile quanto na Argentina.

No primeiro, já aconteceram três comissões ou formas similares de apuração dos abusos da ditadura, a primeira ainda nos anos 1990. Na Argentina a Comissão aconteceu ainda na primeira metade dos anos 1980.
Por aqui parece que os chilenos tratam a questão de forma apartidária, não importando quem esteja no poder.

Reflexão importante num momento em que, no Brasil, o “Fla x Flu” político que vivemos tem levado muita gente ao absurdo de relativizar os abusos e violações da ditadura brasileira.

Além do museu, a comissão chilena criou outros espaços de memória e monumentos espalhados pelo país para que a reflexão sobre o regime não pare.

É o caso da foto desse post: uma escultura de Allende (deposto pelo golpe), que fica localizada no centro de Santiago.