LIPE TAVARES: UM SER ANACRÔNICO


Desde muito pequeno, sempre tive a estranha sensação de que eu nasci na época errada. Definitivamente, os meus gostos e convicções não se enquadram muito bem nos padrões atuais. Mas não foi tão cedo que pude constatar esse fato com tanta certeza. 
Já fiquei meio preocupado quando a minha família ou alguns amigos me censuraram ao me verem sentado no terraço de casa, sozinho, ouvindo chorinho e tomando cerveja. Ou me chamavam de velho ou questionavam sobre o meu estado emocional. 
Já me preocupei muito quando fui censurado ou reprimido por alguém, mesmo que por pequenas piadas, ao ouvir Noel Rosa ou Madredeus. 
Nem sempre, fazer uma coisa que se gosta, sem se preocupar com o que os outros vão pensar, é sinal de breguice ou dor de cotovelo. 
Depois de tanto me preocupar, e, mesmo sem levar em consideração as tais repressões ou censuras, tentei achar um sentido para isso tudo. 
Sem querer fazer o tipo do alternativo, do diferente, percebi que, mesmo que inconscientemente, tendo a relutar contra os padrões e modismos que são impostos. Se tem uma coisa que acho legal em mim, é conseguir fazer a grande maioria das coisas por mim, sem pensar no que os outros vão pensar. Claro que em algumas ocasiões não podemos fugir dos olhares alheios. Admito. Somos seres sociais (mamãe, ta vendo com as aulas de Sociologia fazem efeito?). 
Só para constar, acho que cerca de 90% das coisas que ouço, leio e, conseqüentemente, me inspiro são datadas antes dos anos 90. 
Confesso que sou extremamente dependente da tecnologia dos últimos tempos, em especial a Informática e a Internet, mas, para mim, os progressos tecnológicos são uma maneira concreta de acomodação do homem. No meu caso, essa lógica é extremamente cruel. Sou uma pessoa indisciplinada ao extremo e tenho muitas dificuldades para encarar os planos traçados, com força de vontade. Se tenho uma facilidade a mais para resolver meus problemas, me acomodo na mesma proporção. 
Por isso, creio que se eu tivesse vivido entre os anos 60 e 80, seria uma pessoa mais esforçada, mesmo que por pura pressão ou carência de subsídios. Também, ser contemporâneo dos meus ídolos musicais, literários e ideológicos, que se configuram nos meus verdadeiros gostos, seria um estímulo e tanto. 
Como uma viagem no tempo continua inviável, continuarei anacrônico mesmo, com a rola no presente e os ovos no passado.

Felipe Tavares @felipetavares