História musical de um jovem orelhudo e olherudo - Parte 4
Sempre fui muito mimado. Quando eu queria uma coisa, insistia até ganhar. Com a guitarra não foi diferente. Meu pai comeu o pão que o diabo amassou (e cagou) com essa história.
“Não precisa mais insistir. Você vai ganhar sua guitarra. Mas se ficar em recuperação, não ganha nem biloca”.
Infelizmente, a minha vida musical sempre esteve diretamente ligada aos estudos. Se eu ia bem na escola, tranqüilo. Caso contrário, nada de instrumentos.
Novembro de 1997. Finalmente havia eu enfrentado a 8ª série. Para o meu desespero (e sossego geral da vizinhança), havia ficado em recuperação em Ciências (a partir desse contato inicial, eu passei a odiar Química pelo resto da minha vida. Reza a lenda que não abri o livro da detestada matéria uma vez sequer no ano de vestibular) e sonho da guitarra estava adiado.
Insatisfeito e discretamente conformado, fui assistir a tal aula de Química. Lembro como hoje.
O professor, se chamava João Roberto. Gerente de banco, dizia ele que ensinava por hobby. Mesmo com toda a boça atestada na narrativa de suas últimas viagens ao redor do mundo, era um professor bom e honesto.
Chegando à primeira aula da recuperação - para variar atrasado – me deparei com João Roberto comentando a última prova: a que tinha me tirado do caminho da guitarra. Minha chateação era tamanha que não quis ver os comentários. Mas o professor, apesar de ensinar Química e ser botafoguense era sensato.
“Luis Felipe, olhe sua prova. Pode haver algum erro de correção”.
Meio sem vontade, segui os sábios conselhos. E não é que a minha prova havia sido corrigida de maneira errada. Não me lembro de números exatamente, mas era coisa de um ponto a menos. Exatamente a diferença que me faria passar.
Resolvido o mal entendido, nota corrigida na caderneta, dedo estirado para o resto da turma, voei para casa.
Não me importava se meu pai é a pessoa mais mal humorada do mundo na hora do almoço. Quando sentou na mesa, a primeira coisa que ouviu foi um:
“Me dê o dinheiro. Eu não fiquei em recuperação. Pode me dar minha guitarra”.
Explicado o sucedido, ele foi categórico. Me deu o dinheiro ali mesmo na hora, talvez mais interessado em me ver longe dali, do que pensando na minha felicidade musical.
Passei a tarde entediado sem achar o cara que me venderia o motivo dessa capação de porco. À noite finalmente eu o encontrei e feita a negociação voltei feliz para casa.
Mesmo sem uma qualidade sonora perfeita, a guitarra era mesmo linda. Uma Jennifer stratocaster anos 80, de cor vinho.
Meu pai jamais poderia imaginar a capação de gorila que aquela aquisição causaria. De fato, meus companheiros de lar já estavam acostumados com o som do meu quase afinado violão.
Mas uma guitarra elétrica sem amplificador, plugada no som da sala, falava um pouco mais alto que seu irmão acústico.